A Cidade do México tem uma cor entre o final de outubro e o início de novembro: o amarelo alaranjado e vibrante da flor de cempasúchil. Por todos os lados que se olhe, ela está lá. E embora tenha se tornado uma estrela dessa época por causa de sua cor, seu aroma – profundo e suave ao mesmo tempo – também se faz presente e chama atenção.
Nativa do México, segundo a tradição, a flor de cempasúchil tem o papel de iluminar o caminho de volta para aqueles que já partiram. E para os que ainda estão vivos, sua presença intensa e constante não deixa esquecer por nenhum instante: é tempo de oferendas e reencontros! É Día de los Muertos!
Com forte caráter sincrético, as tradições dessa época são heranças dos povos pré-hispânicos que, com o tempo, absorveram influências católicas. Acredita-se que a vida continua após a morte e, sendo assim, entre os últimos dias do mês de outubro até o dia 02 de novembro, os mortos são autorizados a retornarem para um reencontro com seus entes queridos. Mas, para que eles possam retornar, precisam ser lembrados. Segundo a crença, nosso espírito permanece vivo enquanto houver alguém por aqui que lembre de nós.
E eles realmente relembram! Já é noite na Cidade do México quando chego no hotel para fazer o check-in e há um altar no saguão com fotos de ex-funcionários já falecidos. Vou a um bar e os funcionários estão com maquiagem de caveira. Há um altar próximo da minha mesa. A cena se repete em outros restaurantes e em locais como museus, praças e parques.
Em que pensem as diferenças entre os altares, todos eles têm elementos em comum: a foto da pessoa falecida, coisas das quais gostava – em especial, objetos e comida -, velas e a flor de cempasúchil. Os desfiles de calaveras e as pessoas pelas ruas – muitas delas fantasiadas, ou apenas maquiadas, ou simplesmente usando um diadema florido – também dão o tom da celebração.
É uma festa que envolve a todos, inclusive os visitantes estrangeiros. Mas, em minha percepção, há algo no ar e no comportamento das pessoas que torna esta uma festa diferente. Por diversas vezes, comparei com o carnaval (e também recebi comentários que faziam essa comparação). Mas é diferente! Embora mobilize o país, aconteçam desfiles e muitas pessoas saiam às ruas fantasiadas – assim como no carnaval – o clima é outro. É de respeito, reverência, reflexão sobre vida e morte e, em algum grau, até de introspecção. É algo realmente comovente e peculiar que, acredito, só acontece daquela maneira naquela parte do mundo.
Já ouvi dizer, e acredito, que em cidades mexicanas de menor porte é possível ver e sentir mais de perto a maneira como os mexicanos homenageiam e celebram o reencontro com seus mortos. Mas nem mesmo todos os aspectos de grande metrópole, presentes na Cidade do México, superam a força da tradição. Caminho pelo bosque da Alameda Central e vejo altares montados. Há familiares no local arrumando flores e fotos. Vou ao Bosque Chapultepec e vejo fotos penduradas ao longo de um corredor, cheio de bandeiras com caveiras estampadas e flor de cempasúchil, montado especialmente para essa época.
O Zócalo fica lotado de pessoas que transitam entre celebrações na Catedral e rituais indígenas do lado de fora, enquanto artistas se revezam em um grande palco, fazendo apresentações de música, poesia e dança, tudo relacionado com a temática da festa. A Avenida Paseo de la Reforma se transforma numa grande passarela para o desfile das catrinas passar. Pan de Muertos – outro símbolo dessa época – é servido em qualquer padaria ou café da cidade. E visitar os cemitérios (ou Panteón, como eles chamam) se torna um programa agradável como passear por um jardim muito florido e tomado por uma atmosfera de amor e alegria do reencontro.
Pergunto a um motorista do Uber se estas práticas e crenças realmente ainda fazem parte da vida das pessoas, ou se é algo mais folclórico e explorado comercialmente. “Sim! É uma tradição que passa de geração para geração”, ele me responde. É uma festa da família, à semelhança do Natal e da Páscoa. Para o guia que me conduziu por Mixquic, perguntei sobre o filme ‘Coco’, e ele me contou entusiasmado que fez muito sucesso e deixou os mexicanos, de modo geral, muito contentes, pois retrata de maneira muito fiel a maneira como celebram essa época do ano.
A celebração pelo Día de los Muertos é uma tradição popular tão forte e grandiosa para os mexicanos, que em 2003 a Unesco incluiu as festas realizadas nos dias 01 e 02 de novembro na lista de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Mas, como dito antes, os mexicanos começam as oferendas aos seus defuntos no final de outubro, estabelecendo dias específicos para homenageá-los de acordo com a faixa etária ou causa da morte. Por exemplo, dia 28 de outubro é dedicado àqueles que morreram em acidentes ou de outras maneiras trágicas. No dia 01 de novembro celebram-se as crianças, e no dia 02 de novembro os adultos. As celebrações também contribuem para reforçar o legado social e cultural das comunidades indígenas do México.
Mais do que um ritual de reencontro, as celebrações pelo Día de los Muertos é um tributo à vida! Um momento dedicado a lembrar que devemos aproveitar nosso tempo por aqui da melhor maneira possível, pois este tempo é finito. Para alguns, o lembrete pode vir através de uma lembrancinha típica desta época: uma Calaverita de Açúcar, que pode ser personalizada com o nome do presenteado escrito na testa. É uma forma divertida de dizer para alguém: Viva! A vida é uma festa (e ela acaba, às vezes, quando menos esperamos).