30 de janeiro de 2022

O carro parou na esquina da rua General Francisco Ramírez, na Cidade do México. “Só posso ir até aqui”, anunciou o motorista, para minha surpresa. Não sei por qual razão, mas a rua é fechada, o que a torna ainda mais simples e reservada. Mas isto não foi um problema; em poucos passos, estávamos em frente à fachada sóbria da casa nº 12, a Casa Luis Barragán

Nossa visita era no primeiro horário e chegamos um pouco antes disto. A casa ainda estava fechada, então sentamos na calçada enquanto esperávamos os funcionários e os demais visitantes. Enquanto isso, pensei sobre se Luis Barragán, quando criou o projeto daquela casa – pensada para ser seu refúgio íntimo e expressar seu gosto mais pessoal – e a inaugurou em 1948, imaginava que ela se tornaria, 56 anos depois, o único imóvel privado da América Latina a receber da Unesco o título de Patrimônio da Humanidade. Discreta, e localizada naquela rua pouco movimentada, a Casa Luis Barragán é uma joia quase escondida. 

Aos poucos, os outros visitantes do primeiro horário foram chegando. Os funcionários também chegam, abrem a casa e, poucos minutos depois, somos chamados para apresentar nossos boletos e iniciar o tour guiado. Somos os únicos brasileiros no pequeno grupo de seis pessoas guiadas por um mexicano. Falando um espanhol polido e perfeitamente compreensível, nosso guia deu uma verdadeira aula sobre a história do lugar e de seu criador. Também nos ajudou a perceber todos os detalhes e a carga sensorial que Barragán incorporou a sua casa.

Já no primeiro ambiente – uma espaço reservado à hospedagem dos amigos – encontramos boa parte dos elementos que mais se destacam na Casa: espaços bem demarcados, aproveitamento da luz natural, e a combinação entre luz e cores que se transforma de acordo com a posição do sol, provocando diferentes formas de iluminação e sensações ao longo do dia. A presença da escada de pedra de lava com sua forma que remete à arquitetura pré-hispânica demonstra como Barragán sabia bem mesclar a modernidade com a herança histórica e cultural do lugar.

Em seguida, somos convidados a passar pela porta rosa para ter acesso aos espaços públicos da casa. Entramos em um espaço incrivelmente alto e sentimos a grandeza iminente, mas uma parede de altura parcial, que compõe uma antecâmara estreita (praticamente um corredor), nos priva da visão imediata dos espaços. Um jogo de provocação que desperta a curiosidade! Ao fim, somos recompensados por ambientes acolhedores: sala de estar, sala de jantar, biblioteca e sala de estudos e reuniões.

Os ambientes não deixam dúvida de que Luis Barragán era um mestre não só na configuração dos espaços, mas também em como utilizá-los para manifestar seu gosto e o que lhe representa. Esculturas de cavalos, imagens religiosas, cadeiras desenhadas pela cubana Clara Porset, quadros de Orozco, formas geométricas (em especial o quadrado), música e muita sensação de conforto. A propósito, algumas paredes foram construídas de maneira a criar uma impressão de que são mais grossas do realmente são. Isso porque paredes grossas despertam sensação de proteção que, consequentemente, desperta sensação de conforto. Genial! 

Uma parede baixa divide a sala de estar da sala de estudos. A mesa na sala de estudos é um surpreendente exemplo de como a Casa foi incrivelmente pensada para atender às necessidades e o estilo de vida de Barragán: embaixo dela há botões escondidos que ele podia pressionar para pedir ajudar em diferentes situações. Um servia para pedir água, outro para pedir tequila e outro para quando ele precisava de algum assistente para ajudar nas negociações. Outro destaque desta área é a escada quase flutuante, criada para contrastar com a solidez da escada de pedra no vestíbulo.

Os demais espaços da casa, como a cozinha e o quarto de Luis Barragán, seguem o mesmo estilo tanto na criatividade arquitetônica, quanto nos móveis e elementos de decoração. Por todas as partes, ele expressou sua paixão por cavalos e sua forte religiosidade. O terraço, o jardim e o pátio sensorial representam o último dos elementos indispensáveis da arquitetura de Barragán: a vegetação. Em algumas partes, as plantas parecem selvagens e com vida própria, como se vivessem numa floresta e não numa casa. Tudo remete a uma sensação de nostalgia e serenidade. No terraço, o contraste entre as plantas e as paredes coloridas nos remete à liberdade e alegria que encerram a visita.

Eu sentia vontade de conhecer a Casa Luis Barragán desde que descobri sua existência, pouco tempo depois da minha primeira ida ao México. Nos quase três anos que separaram a descoberta da visita, em nenhum momento a retirei da minha lista de locais para visitar, e acompanhei atenta notícias e reportagens sobre a Casa. Isto me fez imaginar que este seria um daqueles lugares que não me causaria grande surpresa. Mas foi exatamente o contrário! A visita à Casa Luis Barragán superou minhas expectativas do começo ao fim e, sem dúvida alguma, foi um dos melhores programas de viagem que fiz até então. A Casa é incrivelmente única, criativa e aconchegante. Senti-me completamente à vontade, como se estivesse de volta à casa de um velho amigo depois de muito tempo. Luis Barragán foi genial em suas criações e maneira de estar ao mundo. A expressão máxima de como ser simples sem ser simplista.

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By Luzia é uma galeria e diário digital focados em fotografia, leitura e histórias de viagens pelas lentes e escrita de Luzia Cavalcante.

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